A dinâmica entre a alocação negociada de água e os instrumentos de gestão de recursos hídricos no Ceará
O processo de alocação negociada, conduzido anualmente pela COGERH após a estação chuvosa, é o elemento-chave do processo de participação social na gestão de recursos hídricos. Nas reuniões de alocação, a COGERH apresenta cenários de oferta e demanda de água associados a estratégias de operação dos reservatórios (ou sistemas integrados, no caso de vales perenizados e agrupamento de reservatórios), cabendo aos comitês e conselhos gestores a escolha da regra que será adotada no período seguinte. A escolha da regra de operação deve ainda considerar as outorgas vigentes e os usos prioritários da bacia para além do consumo humano e dessedentação animal (que, segundo a Lei nº 9.433/1997, devem constar no plano de recursos hídricos da bacia). Assim, as decisões tomadas nestas reuniões impactam a disponibilidade hídrica de curto prazo (num horizonte de 6 a 18 meses), podendo inclusive resultar na suspensão temporária de outorgas válidas, caso estas afetem os usos da água considerados prioritários.
A outorga do direito de uso foi introduzida no Direito brasileiro pelo Código de Águas (Decreto n\º 24.643/34, art. 43), que atribuía a necessidade de concessão administrativa para derivação de águas no caso de utilidade pública e, em não se verificando esta, de autorização administrativa. A outorga é prevista também na Constituição Federal de 1988, a qual recomenda “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”, artigo que veio a ser regulamentado pela Lei n\º 9.433/1997.
Em 2003, o Decreto Estadual n\º 27.271 regulamentou a cobrança pelo uso da água e associou este instrumento à outorga de direito de uso. Assim, os usuários que solicitassem a outorga estariam sujeitos a cobrança pelo uso da água. Esta vinculação pode, de certa forma, ser associada ao baixo número de concessões de outorga nos anos 90 e início dos anos 2000: o usuário prefere assumir o risco de sofrer sanções do órgão fiscalizador do que pagar pela água consumida.
Entretanto, essa atitude pode mudar em períodos de seca, quando o usuário se interessa pela regularização dos seus usos através da outorga para “garantir” o fornecimento de água. Esta observação pode ser constatada pelo crescimento do número de outorgas concedidas durante a seca de 2012-2018.